domingo, 7 de setembro de 2008

Banquete

“There’s no present there’s no future

I don’t even know about the past

It’s all timeless and never ending

To take it in it’s all too vast”

Centre of eternity (Ozzy Osbourne)

Sobre a terra úmida de uma floresta, jazia uma jovem pálida, sem vestígios de sangue. O vento soprava violentamente por sobre a pele da face e pelo vestido escuro, ornamentado por fios de ouro. Ouvia-se o som de animais ao longe, e um uivar cada vez mais próximo... Mais e mais próximo...

Então irromperam olhares cruéis de dentro da cerração e, um a um avançavam em direção à jovem, correndo, saltando obstáculos, vorazes, sedentos.

Houve um curto instante de total silêncio, que foi quebrado por um grito agudo e pesaroso - grito de quem agoniza – que percorreu a vastidão eterna.

Pairava sobre a garota uma atmosfera fétida de hálito quente – presas lupinas a mostra.

Os olhos cerrados da jovem se abriram, como se a alma retornasse de um pesadelo. A alcatéia permaneceu vorazmente ameaçadora. A garota riu um riso agudo, sádico. Os animais, nesse ínterim, foram adquirindo aspecto humanóide e também riram...

...Até que sentiram os pés grudados ao chão, a voz em cada uma das mentes, o frio, o medo. Do outro lado a moça fitava cada um deles como se fosse tempo que a saciasse. Mas não era. Definitivamente.

Seguiu em frente, ao homem mais próximo. Levantou-se na ponta dos pés para alcançar o ombro; abraçou-o para desprover o nervosismo dele e, pouco depois, seus olhos ficaram iguais aos das cobras venenosas e ela enterrou os caninos – que ficaram enormes- em seu pescoço, sentindo o prazer à medida que o pulso dele caía. Isso foi se repetindo, até que ela terminou com todos e foi embora dali, na forma inicial, de garota. E seus lábios voluptuosos evidenciavam asensação de satisfação plena...


imagem

sábado, 6 de setembro de 2008

Modus Operandi

(...)

O romance neste relacionamento é algo que quase não existe, pois falta sonho, relaxamento e descontração.

Deve se preservar contra o orgulho excessivo, se quiser que esta relação decole.

http://www.dpwinfo.com.br/astro/capricornio.htm

Mulheres.O que seriam essas criaturas misteriosas? Segundo ele, demônios inconfiáveis. Seu olhar intenso, sua boca seca clamavam por algo... mas o que isso teria a ver?Passou a mão esquerda pelo topo da cabeça sentindo a pele lisa por completo.O corpo exalava o que a mente pensava... a sensação era forte, sutil e sublime...O corpo pedia, chegava a doer.

Levantou da cama e se vestiu – sempre havia aquela vestimenta jogada“do ontem” irrecordável. Seu hálito ainda era alcoolico, sua pele pingava suor. Melhor tomar um banho e manter o controle. Fê-lo, mas, ainda assim, não parecia gente.

A vida é uma constante tríade, costumava pensar antes de desprezar a tudo. Uma dessas tríades é a teoria dos três efes: fresno, foda e fome* , e, absolutamente, ela sustentava algumas de suas convictas idéias.

***

O olhar era fixo no próprio olhar refletido. Espelho, fascinio, de fato. Cada piscada era um lampejo. Sentia-se incompleta... os seios rijos... ansiava por algo.

Era a vontade.Vontade?Ela sentia vontade de rir de seus raciocinios patéticos. Umideceu os lábios com a língua e, mais uma vez tocou e girou a esfera de metal entre o lábio inferior e o queixo.

Voltou ao quarto, de toalha, ouvia-se um death metal tenebroso e avassalador. Fitava o mundo sem percebê-lo, contudo. Hilário: a carne, a fraqueza e a mentira..aspectos que compõem a nós e o demais e que compreede o mundo conhecido e desconhecido.

O que viria a ser confiança?!

Cada passo era um alarde. Cada peça de roupa era um alarde, e, sair de casa, foi um total incêndio.

***

Os desconhecidos se encontraram após um longo tempo sem contato. Em um primeiro momento se fitaram com frieza. Em seguida já vieram os aspectos humanos. Comprimentos, sempre eles...mas a única coisa palatável, que ambos eram capazes de sentir, era dor, uma dor enlouquecedora.

O olhar dele era tentador, era um olhar que ela era capaz de desmistificar. Sim..aquilo, o que queria dizer. Brilhava e mirava certeiro, como dois raios. Ele sentia o calor dela, embora não estivessem assim, tão próximos.

Ela queria entendê-lo. Ele queria entendê-la.

Entraram no carro como dois estranhos, mas, a certa altura, quando entraram no apartamento, era como se conhececem de longa data, de forma tão íntima que dispensava palavras.

(A dor persistia em ambos, impassível, incurável, impossível de ser descrita.)

Foram para o quarto, um lugar escuro, imundo e que recordava a primeira vez. Um banheiro que era pura imundice e deterioração. Em pleno show usurfluiram de si mesmos, do auge tão precoce e unilateral perdurara a dívida, e ela seria paga...certamente seria.

Houveram as preliminares, claro, início da saciedade embalada por um death nervoso. O por vir seria fantástico e surrealesco.

Depois de um tempo, ele começaria a passar a ponta da língua bem de leve, do seu pescoço até a parte mais baixa das suas costas... fazendo isso o mais lentamente, possível, para que fosse sentindo cada parte do corpo mutuamente.Depois de um tempo, ele viria a mudar, para as pernas, beijando, e dando leves mordidas até chegar aos pés dela, primeiro em uma perna, logo após na outra;lhe pediria para se virar, massagearia seus pés... e começaria a subir, com a ponta da língua e pura com leveza, até chegar a virilha, porém não passando dessa parte, pois logo após viria a passar para seu o ventre. Logo voltaria a beijá-la, e deslizar a ponta da língua, subindo devagar até aos seus seios, e os sugar cada um, como se o tempo tivesse parado, sem pressa; subiria ao pescoço, e, por fim, lhe beijaria a boca com uma fome dilaceradora.

Entretanto, repetiu todo o processo duas vezes seguido, uma com a garota vendada outra com plena percepção do que era feito. O objetivo da venda era evidenciar a sutilezas do toque, ao passo que a ausência dela era a representação da vontade, bruta e lasciva. O olhar dele era uma espécie de raio cor-de-oliva, que expressava as suas intenções e refletiam as dela.

Seria mesmo o reflexo do que ela desejava?

Chupava-a toda, deliciado, enquanto contemplava o erigimento da montanha de prazer dela. O vulcão que entraria em erupção tão logo?!Olhava para ela como coisa, como um objeto, que uma vez possuído, estaria, enfim, possuído.

O olhar dela era misterioso, aqueles olhos escuros cintilavam um algo em código incompreensível. Quanto a ele, queria mais que saciá-la, queria subjugar sua alma... Seria possível?Perguntas não seriam feitas, os quebra-cabeças seriam ajustados de modo a imaginar as peças que faltam...

A vez dela. Sorriu, mordeu-lhe a orelha e a seccionou enquanto acariciava. Para ele era como se tivesse encontrado a morte, o frenesi era terrível, a pressão insustentável, tamanha fome. Em meio aos beijos ela mordeu a língua do amante, para, não muito depois, sentir a sua fúria. Esbofeteou-a, e, dessa forma, sentiu profundo prazer no ato. Ela sangrou, sentiu muita dor, mas sentiria mais. Gritou muito, mas ele ria.

Por fim, tentou esquivar sorrateiramente, mas, como garota, sabia previamente da supremacia do dominador.

Foi por isso que seus olhos se tornaram duas esferas opacas e exibiu suas presas. Era um monstro. Seus músculos passaram da leveza de uma pena ao peso de uma barra de aço. O objetivo era esfarelar aquela criatura torpe que a violentara covardemente.

Por sua vez, o homem imobilizou o corpo com base na influência da alma, querendo ou não, ela ainda não regressara por completo. Os segundos passavam como a diluição de vinho em água. Ela estava domada.

Mas quem disse que meninas não podem ser cruéis?

A garota aproveitou a proximidade e enterrou os caninos na aorta do seu possuidor-adversário. Sentia o prazer, do liquido jorrando para dentro de si, da vida de outrem de extinguindo sutilmente. A troca de memórias, flashes, pensamentos. Presente, passado e o que há de vir se mesclavam naturalmente. Fluía...

Este é o real prazer, o superior modus operandi.

Largou o corpo, penteou-se e tornou a se vestir. Já era tarde, a noite definhava, cedendo lugar aos aspectos da manhã. Observou o arrebol lindo por um instante, abandonou o corpo desmaiado e foi embora.

Lei da sobrevivência; Cada um por si. Sempre, sempre.

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Dor.veêmencia.mútuo.paralisia.Violência.Sangue.

*Teoria do Professor valadares que dá origem a um filme chamado “3 efes”.(Brasil, 2007,direção Carlos Gerbase)Esses tais efes são uma generalização das necessidades individuais da humanidade; são 3 tipos de fome.



sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Hóstias, Cruzes, Água benta e afins.

imagem retirada do site:
http://www.bocadoinferno.com/romepeige/artigos/casa/ratos10.jpg

“This is killing us

Fighting the truth losing battle

We believe in nothing

Just hatred for each other

(…) no more, no more

This pain, must end”

(Silent wars - arch enemy)

Era uma noite de sexta feira treze de agosto, noite sombria e celestial em que eu aguardava (muito a contragosto) o grupo de oração para rezarmos o terço. Nunca fui uma devota fervorosa, mas, no entanto, sempre fui ávida pelo obscuro da fé. Percebendo isso, minha mãe, que participava dos ritos católicos de forma rigorosa e claramente obsessiva, me inseriu em certos hábitos, alegando desejar uma camuflagem perante todos, mas eu sabia, na verdade eram as minhas atitudes que o que condenava, era como se eu fosse herética. Era obrigatório participar sempre, caso contrário? Muitas coisas...

* * *

Minhas tendências naturais sempre foram contrárias às tradições ditas luminosas. Tanto que, antes de completar sete anos, meu pai levantou a voz e ameaçou queimar-me após dissertar sobre a inquisição. Tudo isso devido a minha disciplina precoce, que, somada à aversão ao símbolo máximo cristão (a cruz) faziam de mim um bom bode expiatório. A cruz simplesmente me deixava doente; qualquer contato com a mais ínfima gota que fosse de água benta tornava meu humor irritadiço, a pele coçava a ponto de ferir; Tomar a hóstia foi um como um misterioso atentado à minha vida. Sabendo disso, no dia da minha primeira comunhão, a minha irmã mais velha, Scarlett, resolveu virar freira, adquirindo assim, o meu ódio mortal.

* * *

A casa fora limpa e adornada especialmente para aquele fim, mas como os convidados demoraram resolvi escutar música; fui para o quarto recém organizado e comecei a ouvir Arch Enemy. Por hora, inebriada pela música, agitava a cabeça alucinadamente, acompanhando os guturais e os riffs minuciosos; lembrei que estava a sós em casa, o que eu me deu um gosto adorável. Permaneci batendo cabeça, girando, até que... bati a cabeça com força na imensa caixa plástica para guardar CDs; os olhos abriram, de leve, purpúreos e estáticos, devido a dor muda incalculável . Olhei a minha face no espelho, o sangue brotava da porção direita da testa e escorria junto às lágrimas no lado atingido.

Não sei dizer como ou quando se deu o desmaio, ou se ele realmente aconteceu, mas, quando despertei, estava em um local escuro, úmido e fétido, os pulsos e os tornozelos em carne viva presos por um ferro, os lábios rachados e a testa dolorida. Estava deitada sobre uma superfície gosmenta, gelada e com forte cheiro de mofo.

Minhas pupilas logo se dilataram, então pude constatar uma silhueta se aproximando, trazendo consigo uma névoa fedorenta a qual me sinto incapacitada de descrever com precisão... Imagine uma tonelada de ratazanas em decomposição... não chegou sequer à metade do caminho...

Quando a criatura falou, emitiu um timbre viscoso, como que em desuso, enferrujado.

- Bem vinda ao meu confim... Sim, você encontrou as trevas que busca desde o início da inconsciência e do controle da consciência... Está aqui a seu bel-prazer, portanto.

Estranho aquele aspecto primitivo ser tão claro e mesmo inteligente, mas eu enrijecia ao menor avanço da criatura... Não, não poderia ser um humano.

* * *

Primeiro grande ato: deitou-se sobre mim; ouvi um som retorcido, era o seu arfar monstruoso. Quanto ao corpo, este era repulsivo; Tateei a face sulcada, o corpo deformado e senti aquela pele cascuda repleta de fendas e erupções que gotejavam gosma além de furúnculos em furo que pareciam tão frios como carne congelada; cada lufada inglória adormecia um dos sentidos.

Fiquei surpresa com minha aceitação amena, o controle que se apoderou de minha mente de forma inexplicável, para não dizer, sobrenatural. Acumulado com a isenção do pavor, uma outra sensação estridente foi tomando conta de cada célula do meu corpo que, por difusão, espalhava o calor lascivo, o desejo extremado por aquele monstro que no meu caso era o salvador; não aquele inábil príncipe de cavalo branco dos contos de fadas, mas o meu temível Nosferatu que habitava a nojenta enxovia que cobria meus lábios com beijos tépidos, afagos envolventes, luxuriosos e obscenos.

Tirou a manta grosseira que o cobria, exibindo nódoas moles, gosmentas; meu corpo emergiu ao retirar minhas vestes, até que nos enlaçamos em totalidade; éramos um paradoxo, uma simetria defeituosa que, cada vez mais, se tornava indistinta.

Atraí-me esplendorosamente pelo grotesco, pela Fera[*1]

repulsiva que não era capaz de repelir, até que...

* * *

No segundo ato ele deixou cair a sua máscara densa, terrível e mortífera. A partir daquele instante eu saberia o que estava intrínseco e acabaria por retomar o mau em meu inconsciente. Meu sombrio monstro emitia tenebrosos ruídos, que não podiam encobrir o som úmido e macilento das garras que emergiam pela carne acima dos dedos; garras estas que me perfuravam repetidas vezes como vigas, mergulhando em minhas víceras e trazendo à tona o líquido da vida, que, na escuridão, não era visível. Meus olhos estavam fechados, e a dor me forçou a apertá-los ainda mais como que tentando dissipar a dor enlouquecedora.

Minha primeira reação para tentar me desvencilhar daquela mistura homogênea e colossal, foi me debater; entretanto, força descomunal dele anulava qualquer possibilidade de movimentação da minha parte.

O Desejo me forçava ao contato físico total. Logo as garras alcançaram as minhas costas; deliciando-se com a minha dor ele permitiu que eu redobrasse o corpo e o contorcesse, escapando daquela maldita dor que me afligia. Meu ódio era controverso, era ódio por mim, não por ele; Em resposta aos meus pensamentos ele me concedeu o mais perverso e violento açoite, como que desprendendo de si uma enorme carga.

De súbito abri os olhos. Resisti. Ao menos tentei. O corpo físico precisava sucumbir, mas a batalha ferrenha se estabelecia entre a Alma e a Morte...

O meu vômito sanguíneo era sugado com voracidade pela besta. Sentia em meus lábios um fluido agridoce invadir a boca... Como desejava repeli-lo... Busquei reunir ao máximo a força do meu âmago, enquanto ele se deleitava com a minha dor, enquanto a vida não falta, apesar de que estivesse fugindo... Era uma ampulheta pequena... O que está em cima vem para baixo e vice versa...

Um lampejo exibia minha infância, eu buscava o suicídio através de um copo com água... Sorri brevemente sentindo a violência em seguida. Tentei empurrá-lo, mas minha força foi neutralizada de modo imaterial. Por um segundo perpetuou o silêncio vazio e sinistro... Vislumbrei o som monótono e rigidamente imutável do órgão, as velas sendo acesas no altar com cuidado... A cruz que reneguei... Mas trazia junto ao corpo algo que não pude me desfazer: um escapulário que ganhei há muito tempo...

Ouvi um baque brusco e estrondoso; formou-se um buraco sobre as nossas cabeças por onde se infiltrava a luz da rua e exibia os nossos corpos enlaçados. Como que por milagre, criaturas semelhantes àquela que permanecia sobre mim desceram para o esgoto afastando os insetos a volta e, em seguida, retirando o meu cavalheiro brutal com violência distinta, lançando-o à Estirge[*2] negra vinda dos canos; aproveitei a deixa, me recompus com dificuldade, e, nua, busquei correr à procura de uma saída.

Os demais nosferatus me alcançaram e formaram um círculo inviolável a minha volta, circulo este que se fechava muito rapidamente.

Desejei ver a cruz, tomar o sangue, comer o corpo e nutri-me da água das águas (não menos lodacenta por isso)... Quem me encontraria em um local como esse? Um estranho medo se instalou em minha mente, o pânico. Não fui capaz ao menos de gritar sabia, no fundo o que isso ocasionaria... Eles ouviam os meus pensamentos e, em reação a eles exibiram as dentições e as faces medonhas mais mutiladas, chaguentas e cobertas por liquens, circundando-me, eu como a presa em meio a uma matilha esfomeada... Eles andavam em círculos, os dois sulcos que envolviam os olhos amarelos cujas pupilas em formato de fenda fixavam - se em minha figura, ao menor movimento do corpo trêmulo que se entregava a passos curtos à rendição total.

Deitei no chão como forma de submissão, fechei os olhos e me entreguei à morte. Cada vez mais me afastava desse mundo, embora tenha ouvido por algum tempo o balbuciar mórbido, corpulento e enegrecido:

- Nosso aspecto atordoa nobre princesinha? Nós somos as sombras, e dor é o que nos alimenta e dá prazer... Assim como Baudelaire apreciamos a “estética do feio”. Resta saber se você está apta. O que me diz? Aceita, ou regressará aos santos, às cruzes e os mantras monótonos?

Arquejei, com efeito, sob os tentáculos dispensados sobre mim, a cabeça latejando, o pulsar longínquo retornando... Mexi os dedos arraigando espírito à carne tão logo fria como que estimulada pelo golpe rasteiro em meu único pertence junto ao corpo deformado...

Todos os seres ardilosos e asquerosos se aproximaram, curvando-se sobre mim como se eu fosse um oásis no deserto; fui sentindo o corpo sendo perfurado com veemência... Sim eu aceitara o voto das sombras, passei a ser uma criança da noite, a notívaga e destroçada Bela como me chamaram.

[*1]“A Bela e a Fera”, da Disney.

[*2]Rio do inferno


PS: ESSE CONTO PODE SER CONFERIDO NO SITE CONTOS DE TERROR:

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A mão esquálida

Horário de aula, três meninas foram ao banheiro do colégio: tudo em nome do medo. A fissura pelo medo é alucinante, viciante e mesmo as crianças sabem disso. Crianças são, na verdade, criaturas mui, mas mui mórbidas...

Adentraram no banheiro, as três, com péssimas intenções. Trancaram a porta, abriram as torneiras e as tampas dos sanitários, acionaram três vezes as descargas e xingaram palavras que sequer conheciam a significância literal (achavam interessantes apenas pelo fato de serem proibidas). “Isso é o bastante” disse uma delas, “Agora é só esperar, creio!”, emendou sem poder conter-se.

Passou longos minutos, o silêncio mórbido da expectativa entre elas. Uma das garotas olhava atentamente para o teto, com um antigo e perpétuo buraco; outra tentava manter os olhinhos em varredura, temendo que fossem surpreendidas pelo monstro evocado; a última, a líder, tentava manter a calma e domar a própria excitação. Diversas vezes o silêncio era quebrado pelo gotejar da água nos velhos chuveiros... mas nada de inexplicável aconteceu.

* * *

A ‘líder’, impassível, chegou à casa indignada aquele dia. Contou à mãe convencionalmente cética o que acontecera e recebeu como resposta apenas: “o sobrenatural não existe, minha filha” e decidiu fazer de novo pra ter certeza...

Quando abriu a porta do banheiro e acendeu a luz, lá estava uma mulher pálida de lábios carmesim, repleta de ferimentos cobertos por tufos de algodão!Ela olhou para a garota, aqueles olhos escuros, e gélidos que exprimiam algo na linha tênue entre maldade e sofrimento. A mulher desapareceu numa espécie de rajada de vento, no segundo em que a menina piscou os olhos, incrédula. A propósito, o coração da guria acelerou de tal modo que seus pés descalços pareciam estar grudados no azulejo e que seu corpinho era uma pesada peça de mármore. Ela sabia que o monstro viera do teto, onde se escondia... Isso porque são mitos, e mitos não passam de verdades omitidas para não assustar a humanidade... mesmo porque, todos sabemos que a primeira vez é um mero aviso e a outra tem outra conotação.