"Voluptous convulsions twisting my soul
So pure and dirty is my passion for you
In my secrets I got my torment
Why did you leave me when I put you my love?
(...)
I still remember that day as if now
You dressed that sweaty blue dress
(...)
So with desire you looked at me
Setencing me with that burning smile
(...)
But you love me, I know that
And tonight your body will be mine
Come with me my sweet little darling
I will show you a new world
Where you never has been before
(...)
Eternity of torture to me
But I don't care if your body is so cold now
(...)
I don't need to carry this fuckin' cross
I'm not trying to be the new messiah
What is moral in this stupid world?
You died for me, won't do the same for you
I will put you all my hate
Show me the delights locked in your mind
You don't need to be afraid
Will make you a woman tonight!"
(Sarcófago -Little Julie)
Seu corpo de menina inerte, sob lençóis gastos, significa um pesaroso fim. O olhar fixo no teto era incapaz de enxergar, se perdia na densidade da escuridão. A tez não trazia o alvor e maciez de outrora, o colo, as mãos e o rosto não eram os mesmos, angelicais. O coração soava tépido, o calor não era mais aquele.
Toda história, no entanto, possui a sua premissa, mesmo essa lenda cruel sobre utopias e desejos. Era isso que o coração vazio trazia à tona, como o despertar de um sonho.
* * *
Devia ter entre treze e quatorze anos, uma atmosfera infantil a cercava. Estava sempre de vestido de algodão em cor viva que combinasse com a fita no cabelo ruivo ondulado, preso em um laço perfeito.
Naquela tarde comum de verão, ela passara em uma loja de CDs para, como fazia sempre, presentear-se. O dono da loja ouvia um som estranho, agressivo, melancólico até, o qual afirmou serem os Rolling Stones na década de setenta. Paralelo a isso, as mãos minúsculas e quadradas, como de bebê, vasculhavam as prateleiras com curiosidade.
Algum tempo depois irrompeu um estranho no estabelecimento. Ele era enorme, possuía barba e cabelo cheios e escuros, tal quais os olhos pequenos que derramavam sobre ela uma malícia incisiva que varria o vestido azul. Aquela compleição máscula exerceu, naquele momento, uma atração como nada antes na vida.
Para uma menina nessa idade, o amor é um cume inalcançável, por isso, ao perceber que apenas o olhar dele a consumia por completo, soube que encontrara o ápice. Ao menos pensava ser.
* * *
Houve vários encontros depois dessa tarde. Através da iniciativa dele (beijos na mão, e frases em tom de sagacidade) desencadearam o relacionamento. Depois foi ela quem passou a ir à loja sempre, para vê-lo. Transcorreram algumas semanas, e então estava consumado, o amor. As intimidades e personalidades mesclaram-se, de modo que uma das almas suprimiu a outra; mas isso não importava, afinal de contas, ela estava cega, como se diz de alguém apaixonado, em subjugamento consentido. Não tardou e logo a jovem abdicou da plena aplicação da utopia pelo ensejo maior.
Isso tudo culminou na total transformação. Ela se tornou outra. Abandonou o vestidinho azul, o calor do sol e tudo mais que anteriormente a caracterizava. A pele logo se tornou candidamente leitosa; os olhos claros foram ocultados por um vidro que os escureciam; os anéis cor-de-cobre se desfizeram e foram tingidos de negro como também as unhas e os lábios. A estrutura corporal não estava completa, por isso foi submetida a um esculpimento cirúrgico, por um amigo do seu homem, que exerceu a função feito um poeta parnasiano. O próximo passo foi vestir as roupas pretas sensuais e provocantes: rendas, meias arrastão e botas de cano longo.
A essa altura, o mito de fetiche estava pleno. A razão de tanta entrega era simples: queria ser a Vênus dele, por isso se entregou por completo às perversões da sua ave de rapina perfeita. Não se importava em ser a presa, a princesa linda, dócil e perfumada, amava-o cada vez mais, como um câncer que se prolifera alucinado, alheia aos próprios “defeitos” antigos. Em troca recebia rosas, uma espécie de oferenda ao fetiche, que, afinal de contas, não passava disso.
O envolvimento perdurou por um longo tempo, mas nesse meio tempo ele retomou com a mulher o noivado, e se envolveu sem que a garota soubesse. A mulher era uma estrangeira de beleza comum. Mais uma com amor simples e puro o qual ele viria a corromper ou desprezar com total indiferença?
* * *
A presa logo descobriu, mas esse capricho não foi capaz de tolerar. Mesmo outrora consentindo tudo exigiu uma resolução complacente após a verdade que era nítida e crua: ele se cansara dela. Em vez de despedida houve uma briga em que ele se revelou outro, não a sua águia majestosa, mas um abutre agourento... que ela amava.
Permanecia na casa precária que presenciara tantos bons momentos. Sobre a cama inalava a sós o odor das rosas podres salpicadas naqueles lençóis obsequiosos evidenciando que o amor fora palpável, entretanto, efêmero. Ela perdera: o amor não estava em suas mãos – se é que havia estado - fora descartada como uma fantasia após o Halloween.
O olhar da mocinha, longínquo e seco, não é mais capaz de distinguir o borrão atroz (olhos secos e incolores não distinguem amor de fantasia), mas aquilo que tentava enxergar não passava do restante do que havia sido seu próprio corpo, degradando como as rosas: um cadáver pútrido que pendia sobre a cama, um móbile grotesco.
Fantasias se extinguem, mas ela continuaria amando a ele pela eternidade. Amor é ruína, amor é suicídio, jamais pensara que fosse, mas as retinas provavam o contrário.